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terça-feira, 6 de novembro de 2012

desabafo poético

O poeta que vos fala não faz apenas poesia.
Não escreve apenas para o vento.
Sequer estende a toalha no varal da vida, para que seque com o sopro do tempo.
O poeta também escreve o vazio. A ausência de sentimentos.
E, perdido em palavras sem causa ou efeito, dá sentido ao insensível sentimento.
O poeta também tem contas. E sofre, em silêncio e sem poesia, para arranjar dinheiro para pagá-las.
Não que o seu salário não lhe baste. Bastaria, se assim o pudesse.
Mas, fazer poesia e viver de maresia, é pra bem poucos: acredite.
E o poeta também fraqueja. Desiste, quando cansa de persistir em lutas aparentemente perdidas.
Mas, a desistência, este mal insuperável, pode até render novas energias.
E assim o faz.
Mas deixa cicatrizes incicatrizáveis. Feridas abertas, ocultas do leitor.
O poeta sente sim, no seu âmago, a vontade de chorar.
E o faz, na escuridão de seu quarto, a observar a luz da noite.
E se permite ouvir melodias chorosas, enquanto medita.
Mas este poeta jamais o admitirá frente ao leitor.
Não transparecerá, pessoalmente, as amarguras que lhe consomem profundamente.
O sorriso do poeta é largo, profundo e inteiramente incoerente.
E dos amores que vive, o poeta prefere partilhar o que lhe foi bom.
O que lhe foi sensato, diante do esperado.
O poeta sofre, em segredo, o mal das perdas.
O mal das dores.
O cheiro dos dissabores.
E quando acredita em suas histórias, investe créditos do coração.
Diga ele que não, deixem de acreditar: o poeta se envolve.
Pode ser um simples beijo: mesmo que sem rosas, chocolates ou carícias mais quentes.
Mas, por malevolência dessa existência humana, toda história tem início e fim.
E nesse meio, com tantas pedras no caminho, é com o fim que o poeta não sabe lidar.
Com o fim sem uma mensagem sequer.
Com o fim com e-mails incertos e malditos.
Com palavras faladas, sem explicação.
Não, o poeta geralmente não sabe terminar as coisas. Fazem isso por ele.
O poeta é sentimento por demais. Ainda que triste, ele arrasta por anos o amargor de se ver frustrado em um amor.
E escreve, frugalmente, como se toda a vida fosse bela.
Não se iluda, leitor, não são muitos os poetas do mal do século.
A poesia concreta está além do escrito. Sempre esteve.
Admito que, como poeta, não me fujo à regra.
Mas escrevo com o sentimento de tristeza, na maioria das vezes.
Eu sei que, para um pseudopoeta, me atrevo além do que devo na poesia.
O faço por vontade e por amor.
Talvez mais pela primeira do que pela segunda.
Poetas não tem muitos amigos: as mães advertem às meninas que músicos e poetas não são boas pessoas.
E o mundo adverte aos poetas que toda dor pode ser piorada.
Se as mulheres não gostam dos poetas, há excepcionalidades. Assim como há poetas que não gostam de mulheres.
Tanto doce que, para um paladar diabético, melhor seria lançar mão a um adoçante.
E as cores da vida se apagam.
Os sentimentos se misturam e se tornam inalcançáveis.
As noites se consomem, frias e inocentes.
Os dias se colocam, para as brutais tratativas de "tudo bem".
Mas, bem lá no fundo, nada está bem.
Talvez jamais tenha estado. Ou, quem sabe, jamais fique realmente bem.
O poeta guarda, em sua caixa de pandora, todos os sentimentos.
Permite apenas que, aos poucos, o leitor o (re)conheça.
E que bote reparo, nas palavras sem sentido, para ler seus sentimentos.
E se o poeta diz mais do que deve, merece sua pena: o reconhecido desconhecimento.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

buscas

Pessoas sozinhas buscam saídas.
Buscam se encontrar próximas ou rodeadas de pessoas.
Este poeta busca entradas e estar próximo de si mesmo.
Sou um egoísta: quero compartilhar da minha própria companhia.

daninho

Posso não ser o que pensei.
Me consola ser o que sou.
O vir a ser da vida.
A erva daninha que se transforma, incontestavelmente, em remédio.
Minha dosagem é a única contradição.
Não use além do prescrito, nem aquém do indispensável.
Advirto que causo dependência.

velhas feridas

O vento gelado me faz lembrar.
Já errei demais.
Escolhi incertezas.
Mudei pelo medo. Deixei uma vida pra trás.
Deixei caminhos inseguros, mas caminhos.
Assumi os resultados. Me perdi por entre o (in)certo.
Já não posso mais. Nem por esta noite. Nem por esta insônia.
Talvez quando despertar desse devaneio.
Mas não há conectivos por entre tantos pensamentos.
Não há terminalidades.
Não há vírgulas, entonações ou espetáculos.
Há apenas o fato presente que precisa podar os espinhos.
Existe muita dor, sedimentada, entre eu e mim mesmo.

aprendi coisas que não deveria

Sei que o tempo passou.
Há mesmo um hiato entre nossas histórias.
Mas, ainda nesta noite, me ocorre nosso desencontro.
Jamais compreendi.
Talvez nunca o deveras compreenda.
Ainda tenho seu e-mail, confusas palavras.
Apenas sei que, horas após nos amarmos, me tornei apenas mais um pra você.

Teu sorriso ainda me confunde, quando em pensamentos me encontro.
É mesmo fato que, incontestavelmente, as pessoas não prestam.
O valor está para além da humanidade.
E não me excluo deste fato: aprendi com pessoas experientes, feito você.

negativas

Guarde os beijos que lhe dei.
São seus.
Mas, não se atreva. Não faça pedidos.
Não guarde bilhetes.
Não rasure emendas.
Nem imagine.
Nada mais lhe deixarei, sequer um sorriso amargo.

determinismos

Não há conto de fadas.
Não aceito argumentações, estou determinando o determinado.
Há sim muitos contos do vigário.
Muitas promessas, muitas terras não prometidas.
Muitos amores não conclusos.
As pessoas não sabem amar ao próximo: sabem tão somente aproveitar dos prazeres carnais.
Mas há a brisa.
O vento gélido madrugal, a acariciar minha face.
E, para ele, entrego todo o meu amor.
O carinho que outrora dediquei a outros, dedico ao vento.
Sua visita é - a cada noite - a única certeza que tenho.
Ainda que, na maioria das vezes, não lhe receba na janela.

solidão de novembro

É noite.
Estou só, ouvindo os barulhos da vida noturna.
Observando, pela janela do meu quarto, a vida lá fora.
Vejo o caminhar da boiada, atrapalhando os poucos carros que trafegam na avenida.
Há outras janelas. Algumas poucas abertas.
Algumas poucas vidas, dispersas. Acordados feito eu.
Acendo um cigarro. Não que eu queira fuma. Apenas o observo queimar.
Sua brasa definhar a estrutura roliça.
Dou uma tragada. Me basta.
E permaneço a olhar, atentamente, minha solidão adentrando a madrugada.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

inerte

Como eu poderia fugir de mim?
Esquecer meus pensamentos é improvável.
Me esquecer, sentado à beira da sarjeta, é bem mais factível.
Minha bagagem é densa por demais.
Meus cabelos escorrem a água da chuva.
O tempo não espera que eu o perceba.
Minhas mãos, estiradas, recebem duros golpes de moedas não pedidas.
Minha existência foi perfurada por um longo instante comigo mesmo.