Tem já 18 meses que tudo se iniciou.
No começo pensávamos que seria uma questão de dias.
Mas os dias se converteram em semanas.
As semanas se teceram em meses.
E os meses, sufocantemente, se prolongam...
O mundo parou (ou deveria?).
Percebemos o quão insignificante somos.
Algo que, de tão pequeno, sequer podemos ver... Fez-se
perniosamente presente.
Nos tornamos mestres (ou seríamos reféns?), por detrás
das telas.
Acordamos, comemos, trabalhamos, dormimos: espionados
por uma luz azul viciante.
Monitorados por essas “tornozeleiras” eletrônicas.
Os olhos doem. A cabeça dói. O corpo sofre os impactos
dessa prisão sem grades.
Entre quatro paredes, apenas com minha companhia
felina, as esperanças se esvaem.
Os ponteiros do relógio seguem seu trajeto despreocupadamente.
Parcialmente imunizado contra o invisível ser,
Ele se modifica e transforma para seguir seu maligno
intento.
Delta
Gama
Mu
E
varia...
Varia...
Minha sanidade também passa a variar.
E meu humor acompanha.
Entre a cama e o chuveiro, neste calor insuportável, neste
inverno seco,
Me desidrato – aos soluços – com o sumo que perco
pelos olhos.
Aos soluços, embalo em sonhos vazios.
A furadeira, nos cubículos vizinhos,
As marteladas, frequentes nas obras incessantes,
O som persistente de objetos colidindo com o solo,
E c o a m . . .
Faz-se uma trilha sonora, para as infindáveis reuniões
que
Se tornaram cada vez mais frequentes,
Insistentes...
Se, nos primeiros dias, buscava a regularidade,
Hoje apenas sigo, num automatismo inconsciente.
Contraproducente...
Prefiro não mais ver noticiários... O descaso das
autoridades deprime.
Vidas se tornaram números.
Nunca a matemática me pareceu tão fria quanto agora.
Me sinto um tolo, pois os lacrimejantes soluços são
frequentes.
Esse universo distópico, que jamais poderia ter se
tornado real,
Tornou-se assustadoramente presente.
Um pesadelo tão realista que não me permite abrir os
olhos para sair desse paradoxo.
As horas do dia passaram a ser um verdadeiro cárcere.
Mas não temos “banho de sol”.
Não temos regularidade para as refeições.
Não temos nada além de dispositivos, conexões...
E um incessante trabalho, a consumir todos os
instantes de nossa vida.
Perdemos os sentidos.
Perdemos o contato físico.
Perdemos...
Perdemos...
Perdemos...
E aos poucos, perderemos também nossa humanidade.